Análise do Clipe de Candy Necklace (2023)

Euforia, Tragédia e Açúcar 

Há boatos de que Candy Necklace, música do álbum “Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd” (2023), entrou de última hora no projeto, o que é de se agradecer. A música foi indicada ao Grammy de Best Pop Duo/Group Performance, pela participação de Jon Batiste na canção, além de outros prêmios que a música ganhou. O clipe, lançado em 10 de maio de 2023, tem algumas coisas muito interessantes a se notar, o que vamos explorar nessa coluna.

ATENÇÃO: Alguns assuntos contidos nesse texto podem ser considerados gatilhos (menção ao suicídio, abuso de substâncias, violência).

Letra e Bastidores

Fazendo uma prévia do significado da letra da música e as referências nela, podemos seguir por um caminho: a música se resume a euforia causada pelo açúcar (sugar rush, em inglês). Um amor difícil em uma relação conturbada, em que os momentos bons (doces) são como a euforia passageira que o açúcar concede, somado ao vício que o açúcar propicia e a pouca durabilidade de algo comestível como doces. Isso explica, de forma simples, a ligação entre a música em si e o título “Colar de Doces”, em tradução literal. Quando colocada com o clipe, conseguimos um novo significado adicional relacionado a notoriedade, celebridade, e como algumas mulheres sofrem por trás das câmeras, como a fama pode ser cruel e passageira.

A razão pela qual tudo deveria estar nos bastidores era por causa de todas essas mulheres que, tipo, mudaram de nome, mudaram de cabelo, como eu e outras coisas. É como se todas tivéssemos caído em diferentes ‘armadilhas’. Então a questão toda é: como você aprende com isso e não cai em suas próprias armadilhas? — Lana, durante um trecho do clipe

O clipe todo tem uma estética de produção cinematográfica, com as câmeras à mostra, produtores conversando e os efeitos práticos sendo feitos na hora. Isso se soma à ambientação de anos 50/60 do clipe, visto no filtro preto e branco, nas roupas, as locações e cada detalhe. Há uma história sendo contada no clipe: a gravação de um filme sobre ascensão de uma cantora, e há duas cenas acontecendo simultaneamente e se intercalando no clipe: os bastidores do clipe em si e os bastidores ‘falsos’ para a esse filme, trabalhando brilhantemente a metalinguagem.

A Trajetória de Dezenas de Mulheres

White hot, cinnamon on my teeth

A primeira frase da música já possui algum significado a ser extraído: “Chama branca, canela nos meus dentes”. Lana tem uma longa relação com esses dois elementos. Chama branca se refere a cor da chama mais quente na natureza, como ela mesma explica e aparece na letra de “Tulsa Jesus Freak”, e a canela aparece em letras de músicas como “Radio” e “Cinnamon Girl”, e representa a dualidade do sabor doce e picante da canela.

No clipe, vemos Lana Del Rey chegando acompanhada por um homem (possivelmente representando um empresário, simbolizando os homens ricos da indústria artística que exploram suas estrelas) em uma mansão, onde se apresenta com Jon Batiste, que toca piano. Lana desce a escada espiral enquanto um holofote segue seus passos abaixo. Essa cena resgata o filme de 1950 “Sunset Boulevard”, que se encaixa não só na temática das músicas de Lana, mas na ideia do clipe. 

Um dos momentos mais icônicos ocorre quando a personagem de Lana alcança a fama, e é representada por ela caracterizada de Marilyn Monroe sentada em uma poltrona enquanto segura uma Bíblia. Lana Del Rey canta:

Sittin’ on the sofa, feelin’ supеr suicidal

Hate to say the word, but, baby, hand on the Bible, I do

Feel like it’s you, the one who’s bringin’ me down

Marilyn faleceu em 1962 de overdose supostamente acidental. Na época, porém, levando em conta as quantidades ingeridas muito acima do limite saudável, se considerou um suicídio. Assim se conectam clipe e letra. Há uma outra possível referência sobre essa letra: Marina — cantora e amiga de Lana Del Rey até 2020 —, em sua música “Teen Idle” de 2021, canta:

Feeling super, super (super!) suicidal

É mais provável que seja, na verdade, somente a primeira possibilidade, além de uma alusão às menções ao suicídio que Lana já fez no passado.

Personificação e Tributo

Em determinado momento do clipe, Lana se prepara para se caracterizar novamente, e escolhe sua aparência de 2012, o momento em que finalmente ascendia à fama que buscava em sua vida e que, também, a aproximava dessas mulheres que ela havia há pouco retratado. 

A personagem, agora, canta em um bar novamente com Jon Batiste enquanto é assistida por seu empresário. Ambos saem do local e Lana Del Rey tira a peruca que usava retratando sua antiga versão e revela um cabelo muito parecido com o de “Dália Negra” (apelido de Elizabeth Short), atriz que foi brutalmente assassinada em 1947. Elizabeth Short, Marilyn Monroe, Veronica Lake, Priscilla Presley, essas e outras mulheres são vistas em diversas facetas de Lana ao longo de sua carreira e sintetizam a mensagem do vídeo.

Ambos entram em um carro enquanto chove e a personagem aparece pensativa e lamentosa, enquanto seu empresário aparece dirigindo e vigiando ela pelo retrovisor. Temos diversas cenas de flashback de Lana se divertindo e dançando com Jon Batiste enquanto o clipe segue para o seu final. 

Os Colares

Ao longo do clipe todo, podemos acompanhar as fases e os momentos a partir dos colares que aparecem nas cenas. Ela começa o vídeo com um colar simples de pérolas, que se transforma em um colar de grandes diamantes, e depois diamantes negros no momento de fama da personagem. Posteriormente, na última cena, veríamos Lana sorrindo com um colar de doces. Nessa parte há trechos dessas fases da personagem e seus colares, e como cada um traduzia as situações que eram apresentadas. Os colares caem um por um, se estilhaçam no chão sobre um fundo preto e, quando tocam no chão, se tornam gotas de sangue.

Hollywood

Na reta final do clipe, temos a câmera se aproximando de um baú coberto por sangue em um acidente de carro. E quando a câmera entra no baú, vemos flashes de câmeras fotografando o acidente. Depois, se tornam depois em flashes fotografando Lana Del Rey inaugurando sua estrela na calçada da fama em Hollywood. Infelizmente, a cantora ainda não tem realmente uma estrela lá e a cena só fez parte do clipe. Algo interessante é que as estrelas tem que ser, na verdade, compradas pelos próprios artistas. Então, se tratado disso, é improvável que Lana a tenha algum dia. O final com o baú pode simbolizar a morte do sonho de inúmeras estrelas que tiveram fins fatídicos de suas vidas. É possível uma referência, também, ao acidente de carro que tirou a vida de Lady Diana em 1997.

A imagem abre para uma visão ampla, e a imagem, durante todo o filme em preto e branco, agora fica em cores. Lana aparece com o colar de doces, sorri, e o clipe se encerra.

São quase 11 minutos de clipe. Uma história fantástica sobre mulheres que buscavam, assim como ela, a fama, e tiveram suas vidas arruinadas em uma tragédia. Exceto por Lana, que não quer esse fim. Ela expõe como todo o glamour, todo esse universo da fama é sombrio, sobretudo para mulheres. Lana Del Rey homenageia todos esses nomes para que não sejam esquecidas as suas histórias e destinos.

A letra completa e sua tradução está disponível em nosso site. O clipe está disponível no canal oficial de Lana no Youtube, e pode ser acessado diretamente pelo link.