Lana Del Rey de Pés Descalços no Linóleo

“Violet Bent Backwards Over The Grass” e intimismo “Spoken Word”

Talvez o fator essencial de toda a obra de Lana Del Rey seja o lirismo articulado em suas músicas, mas que não se limita somente a esse campo.  Del Rey demonstra, em seu livro de 2020  ‘Violet Bent Backwards Over The Grass’ que toda a poesia que tornava sua obra interessante liricamente até aquela data podia ser trabalhada em um livro, cujo processo de escrita ela descreve como sendo significativamente distinto de seu trabalho como compositora.

A “Lana-Autora” se revela completamente induzida por essa faceta, como se toda a sua carreira tivesse se pautado na escrita, pois não há precedentes de uma qualidade literária — embora ainda não totalmente a par de suas influências — tão sofisticada vinda de artistas que buscam uma segunda ou terceira via de expressão artística. Apesar de um dos poemas de seu livro se chamar “Paradise Is Very Fragile”, ‘Violet Bent Backwards Over The Grass’ é muito sólido, estruturado e Lana Del Rey age como uma escritora séria, e não somente como qualquer artista que lança um livro abatido e mediano ou escrito por ghostwriter. Facilmente seria reconhecido como literatura convencional sem o sucesso de Lana como cantora, o que é um aspecto artístico incomum.

Lana Del Rey Gives Us a First Look at Her New Book of Poetry, Violet Bent  Backwards Over The Grass | Vogue

Espelho & Influência

Tratando de seus textos, Lana mescla a poesia beat de Kerouac e Allen Ginsberg com o nacionalismo de Whitman, revisa os temas de T.S. Elliot, Nabokov e Robert Frost, traz como base, em diversos casos, a filosofia que vem de sua formação em metafísica e traça um arco que vai desde a sua infância até o futuro, perpassa todos os campos da existência como pessoa — e mulher, especialmente —, narrativa metafórica e um conjunto grande de outros assuntos.

E apesar de uma rica rede de influências, a mais notável, tanto em temática quanto escrita e estética, é Sylvia Plath. A escrita de Lana Del Rey é uma escrita moderna, fluida, modesta, e por seu desprendimento de pontuação e formalidade textual em diversos casos, muito diriam que “sem preocupação estética”, mas se trata do oposto: seus poemas são exatamente o que pretendem ser, e sua formatação é uma preciosidade a parte. O caso com Sylvia Plath surge como mesclado a outros temas em músicas da cantora, mas em sua literatura surge de forma direta: “Stay on your path Sylvia Plath/don’t fall away like all the others”, diz ela em “Bare feet on linoleum”. O suicídio de Sylvia viria a ser um tema que ramificaria na arte de Lana, e a mesma até coloca, ao lado do poema para a autora americana, uma imagem de um fogão — lembrando que Plath suicidou-se com a ingestão de gás no forno do fogão de sua casa —. Assim como Sylvia, Lana fala abertamente de si em seus poemas, e se usa metáforas para alguns versos, e no seguinte ela desnuda em um verso duro e literal.

LA Who am I to Love You

LAAAAA!

Who am I to need you when I’ve needed so much

asked for so much/what i’ve been given

I’m not yet sure I may never know that either

until I’m dead.

Um poema que se destaca muito dentre toda a sua coleção é “LA Who am I to Love You?”, que é brilhante e confessional, mas também longo. Seus poemas curtos são muito agradáveis e condensam habilmente seus temas. Lana, em quase toda a sua poesia, utiliza do ‘Spoken Word’ (Declamação) para trazer um ar de desabafo e intimidade, e essa é uma modalidade que geralmente admite uma nudez que ela talvez enfeite além do necessário em casos isolados. Além disso, de uma visão externa sem contexto, certos poemas podem soar repetitivos, prolixos, arrastados e talvez focados mais na estética do que no significado. No entanto, quando vistos no aspecto geral de sua obra, tudo se encaixa bem. E, portanto, não se trata de um erro, mas só um estilo e uma visão própria.

É interessante ressaltar como essas questões somem, também, quando declamados por Lana — o que pode ser apreciado no álbum de mesmo nome de seu livro —. Se ainda não está claro, o ‘Spoken Word’ é para Lana Del Rey o modelo essencial, porque é livre e aberto, assim como ela se sente para construir com humor e delicadeza sua criação.

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Escrita & Fronteiras

“É uma espécie de poesia profunda, onde tudo é permitido e é totalmente livre. Às vezes, minhas páginas terminam com um dístico, logo no final, mas a maior parte é de formato livre”, diz Lana sobre sua escrita em seu livro.

Devemos considerar que essa escrita não se reserva só ao único livro que ela possui e que está sendo usado de base aqui, mas também aos poemas que não foram vistos pelo público. E vale a pena ressaltar o livro “Behind the Iron Gates — Insights from an Institution” tido como o segundo livro de poemas de Lana, mas que, no entanto, se encontra perdido e sem data de lançamento, visto que sua única cópia conhecida — segundo ela mesma — estava em um computador roubado de seu carro em 2022. Del Rey afirmou posteriormente que estava reescrevendo ele e, portanto, o projeto seria lançado, mas ainda sem notícias.

Lana afirma ser uma poetisa de verdade em “Salamander”, e está correta nisso. Diz também que seus pensamentos são de graça e, mesmo considerando isso, são extasiantes, originais, de uma nudez tão intimista, honesta e amável que seria inadequado e cruel dizer que não tem uma qualidade fina e rara na atualidade. Ela parece, até onde se viu, dominar a técnica tradicional para então subvertê-la e produzir a própria técnica. As críticas à sua poesia são válidas, claro, mas estão longe de estar aos pés de sua obra. Lana Del Rey está de pés descalços no linóleo de sua casa, sentada no chão e esculpindo em uma máquina de escrever uma obra que deve ser considerada não por seu nome como cantora, mas como poetisa.

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