Lana Del Rey Lidera Com O Coração

Ela é uma das mais influentes compositoras do século XXI — e uma das mais incompreendidas também. Entretanto, há uma refinada (e radical) arte de aprender a se libertar.

Lana Del Rey aponta com um vape vermelho em mãos, um conjunto de cadeiras de descanso em seu quintal. “Quando eu as comprei”, disse ela, “Fiquei tão contente.” Tenho dúvidas. As cadeiras parecem intocadas, sem uso. Uma linha evidente divide o tecido, marcando nelas os locais onde a cerca lançou sua sombra, em mais da metade da mobília. Ali, sombreado, o verde vibrante da estampa ainda está preservado, mas, logo acima, o material está exposto ao sol, beirando à cor branca.

“Fizemos uma fogueira”, Del Rey comenta gesticulando, ao mostrar um espaço no quintal que ninguém diria ter sido usado para uma fogueira antes. Ela segue para uma espreguiçadeira velha. “Apesar do seu estado, tenho muito orgulho dela”, diz. “Comprei na Living Spaces. Trouxeram numa manhã e quatro pessoas a montaram rapidamente. Foi incrível.”

É incrível? Eu me pergunto. A montagem de uma espreguiçadeira, agora encharcada e esquecida, é algo incrível para Lana Del Rey, uma das mais bem-sucedidas e influentes figuras da música popular de toda a década passada? Alguns dos meus questionamentos são em relação à sua casa, que mais parece um set do que um lar, pensado para me convencer de que eu estou na presença de uma das multimilionárias mais modestas do mundo.

Para explicar, a casa é encantadora. Eu conseguiria descrevê-la apenas como simplória, com um quintal de gramado quase amarelado. No entanto, é também exageradamente modesta para uma mulher com os recursos e fama que Del Rey possui. A casa é confortável, limpa e com adornos simples. Há muito pouco no sentido de decoração: um recorte de revista da Marilyn Monroe colado em uma das janelas do banheiro e algumas fotos de família. Seu irmão, Charlie, utiliza um quarto ensolarado nos fundos como seu escritório, e sua irmã, Caroline, a visita diariamente. “Nós lidamos com tudo como uma família”, diz Del Rey, falando sobre sua ligação com seus irmãos. “Nunca estamos só. Algumas noites, sim, mas não necessariamente. Estamos juntos nessa. Nós sempre estamos juntos.”

A própria Del Rey também se apresenta de forma muito simples: calça jeans, sweater sem estampa e sapatilhas. Seu longo cabelo castanho está penteado e seu rosto sem nenhuma maquiagem, além do leve e delicado delineado em seus olhos — única conexão visível com o seu visual femme fatale da sua vida profissional. Seu tom de voz é suave e agradável. Ela me oferece uma Coca-Cola diet, um Red Bull e um café, este último que acaba de ser passado no mesmo modelo de cafeteira de 30 dólares que eu tinha no dormitório da universidade. Del Rey junta as três opções de bebidas para si, ao lado do seu vape vermelho, e me leva para fora. Os pisos a caminho do quintal estão quebrados.

À essa altura, Lana Del Rey é considerada uma das compositoras mais talentosas de sua geração — ou segundo algumas pessoas, como a Taylor Swift já citou, a melhor da sua geração. Seu álbum de estreia de 2012, Born to Die, já completou mais de 500 semanas na Billboard 200, façanha conquistada entre artistas femininas solo somente pela cantora Adele.

Porém, enquanto me sento ao lado de Lana Del Rey em seu quintal, observando sua casa, os pisos quebrados na escada e os tecidos desbotados das cadeiras, o sentimento de dúvida que estive sentindo, de repente, aumenta. Eu sei que este sentimento não é só pela casa em si; é provavelmente mais pelo resíduo cultural de desconfiança construído pelos críticos, os quais, no passado, não pouparam palavras ao retratar Del Rey como um artista forjada, uma farsa cuja carreira não duraria mais que uma faísca. Esta dúvida em torno de Lana Del Rey, já se provou desnecessária.

Eu reconheço isto. E mesmo assim, ainda me pego buscando por algum artifício, por uma brecha em sua persona para encontrar o espaço onde uma Lana “mais real” está escondida. Este é ou não é o meu dever?

Por sorte, minha amiga Kelly, fã séria e pensativa de Lana Del Rey, me explicou. A Lana, relembra Kelly, faz compras na Kohl’s, escolhe vestidos para premiações em shoppings, faz amizades com funcionários da Waffle House e até os acompanha no trabalho. Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd concorre este ano em cinco categorias do Grammy Award, incluindo Álbum do Ano, unindo-se às seis indicações que ela já possui em anos anteriores. Ela passou um terço de 2023 em turnê, arrastando multidões pelo mundo. Nenhuma dessas verdades nega ou invalida nenhuma das outras. “Se você estiver tentando entendê-la através de uma persona inflexível e não por sua autenticidade”, diz Kelly, me corrigindo, “você já falhou no seu dever.”

Afinal, quem é Lana Del Rey para além dessa persona?

“Ela é divina, excêntrica e inexplicavelmente talentosa, e consegue agir como uma pessoa comum também” o escritor e diretor John Waters conta. “Me lembra do slogan de divulgação do filme ‘Lorna’ de Russ Meyer” diz ele admirado, se referindo ao filme de sexploitation de 1964. “Combina com ela: ‘Anseio, amor, desejo, vida, Lana. Demais para apenas um homem”.

O diretor David Lynch também é um fã. “Ela conta uma história em sua música”, diz Lynch. “Ela entrega um estado de espírito e uma história, e um jeito de pensar, ela cria uma cena em seu cérebro.”

A lendária cantora-compositora e ativista Joan Baez fala que a primeira coisa que vem à cabeça quando pensa em sua amizade com Lana é a generosidade dela. Lana uma vez tirou sua jaqueta para dar à neta de Joan que estava com frio, e mais a presenteou com a mesma jaqueta, dessa vez com a assinatura de Lana Del Rey no punho, relembra Joan. Baez também diz apreciar o humor da cantora. Certa vez, durante um almoço juntas, Lana teve “um ataque de risos”, conta Joan. “E ela se deitou de costas em duas cadeiras, apenas com a cabeça meio pendurada nas costas da cadeira, apenas rindo e rindo e fazendo todos nós rirmos juntos…  Ela é adorável. Essa é uma boa palavra pra ela, entre muitas outras.”

Mas minha história favorita sobre Del Rey vem de sua clarividente de confiança, Tessa Di Pietro, que Lana encontra semanalmente. As duas haviam participado juntas de uma meditação guiada e estavam sentadas em um círculo com outras pessoas, quando foi pedido a todos que imaginassem o formato de seus pensamentos. “Foi inebriante”, diz Di Pietro. “Acho que as pessoas sentiram que havia uma tensão na sala para descobrir a resposta certa. Bem, meus pensamentos parecem pequenas bolhas. Na vez de Lana, ela estava olhando para o espaço, pensando, quando respondeu: ‘Homens. Meus pensamentos têm a forma de homens.’ Foi tão perfeito porque não dava para saber se ela estava sendo irônica ou não. E ainda assim foi a resposta mais verdadeira que alguém já deu.”

Lana Del Rey, nascida Elizabeth Woolridge Grant, cresceu em Lake Placid, Nova York. Ela lançou músicas inicialmente com seu próprio nome, apelidada Lizzy Grant. No entanto, quando as coisas saíram do planejado, ela escolheu um novo nome artístico e um novo visual – um que se inspirava na iconografia da beleza, um pastiche de pin-up bombshell e namorada de gangster. Ela era Marilyn Monroe, Lana Turner, Priscilla Presley, Karen Black em Easy Rider. Seus vídeos eram uma colagem de imagens sinalizando que o sonho americano deu errado: neon piscando, folhas nas piscinas, morte, amor e sexo exibidos diante da bandeira. Foram referências até demais? Nomes artísticos, simbolismo e reinvenção não são novidade na música. Entretanto, no caso de Del Rey, algumas pessoas se sentiram inexplicavelmente enganadas.

Após seu lançamento, Born to Die foi amplamente criticado. A revista The New Yorker disse que a “personagem Lana Del Rey é uma combinação de insatisfação e cinismo, do romântico e do brutal e do ingênuo, o que a faz parecer mais esquecível do que profunda”. O New York Times definiu Del Rey como uma mera “pose, cortada de um tecido com estampas exageradas” e descreveu sua carreira como “fundada no mal gosto”. Pitchfork rejeitou Born to Die como “fora da realidade”, não apenas com o mundo, mas também com “a simples realidade da emoção humana”, classificando-o na linha em sua análise crítica como “o álbum equivalente a um orgasmo falso”.

O público discordou. Catapultado pelo sucesso de singles como “Video Games”, “Blue Jeans” e “National Anthem”, Born to Die se tornou o quinto álbum mais vendido do mundo em 2012.

PHOTOGRAPH BY COLLIER SCHORR

Del Rey, porém, sentiu-se ferida. “Acho que em uma semana, The New Yorker, The New York Times, The New York Post e a revista New York concordaram que foi o ato mais ridículo já divulgado”, diz ela. Mas ela aproveitou da rejeição crítica e do sucesso comercial da melhor maneira possível: simplesmente continuando a compor canções. “Isso pode ter sido pura energia do tipo ‘Vamos tentar fazer isso funcionar!’”, diz ela. “Tenho certeza de que minha intuição na vida ainda era muito forte. Mas com a carreira, acho que foi como ‘vamos tentar e ver se conseguimos’, ao invés de aceitar um fim brutal.”

Curiosamente, Lana é grata a esse período por ter lhe proporcionado uma oportunidade única de autorreflexão. Quando os críticos a chamaram de inautêntica, ela procurou entender o que eles estavam observando e por que isso era diferente de como ela se sentia. “Foi 100% autêntico”, diz ela sobre sua reinvenção de Born to Die. “É que onde eu estava naquela época era maleável em minha própria vida – fácil de, mesmo não concordando, concordar”, explica ela. “Continuei relendo a ideia de alguém que fingia vulnerabilidade”, diz ela. “[Mas] talvez o que eles viram foi a vulnerabilidade.”

Os críticos têm elogiado Lana Del Rey, de forma retrospectiva, como um talento singular e pioneiro, cuja influência ficou evidente no trabalho de artistas como Billie Eilish e Olivia Rodrigo — incluindo a Pitchfork, que publicou uma nova crítica de Born to Die quase uma década após a primeira, escrevendo, “Lana está buscando algo: o ponto central onde o medo e a dor da sexualização começam a funcionar como alavanca.” Isso reafirma, mesmo que ela não tenha mais nada a provar, que aqueles que previram sua carreira como uma mera faísca cultural estavam – bem, Lana Del Rey diz melhor: “É quase como se eles estivessem errados”, diz ela. “É isso. Eles simplesmente entenderam tudo errado. Isso é tudo.”

Quando pergunto à Lana como lida com o longo avanço de sua carreira, seu rosto se ilumina. “Somos famosos no Arkansas”, diz ela, radiante. Recentemente, algo mágico ocorreu lá. Ela havia sido contratada para tocar no anfiteatro do Walmart em Rogers, e o show esgotou em poucas horas, deixando muitos fãs sem ingressos. Lana não esperava ter uma base de fãs assim no Arkansas, e ficou chocada quando uma garçonete de uma taverna que ela visitou depois de se apresentar lhe mostrou uma imagem da fila on-line. A garçonete era a número 80.000.

“Quando eu vi isso, foi quando eu soube – era o momento.” O momento decisivo para você? Eu pergunto a ela. “Sim, com certeza. Absolutamente.” Sério? De todos os momentos? “De tudo que já aconteceu em toda a minha vida”, ela diz. “É isso.”

Por que esse momento no Arkansas foi tão significativo para Lana? Pois bem, de certa forma, voltamos ao assunto desta casinha, que se tornou, para Del Rey, uma espécie de “teste”. “Tive algumas brigas por causa desta casa, com algumas pessoas”, diz. “Eles não entenderam.”

Uma das pessoa que não entendeu foi um namorado. “Eu sinto que até os mais tranquilos não querem ficar aqui”, diz Del Rey. “Infelizmente, parte de você sabe… as coisas não são assim… e esse me surpreendeu. Não vou citar nomes e tal, mas isso realmente me chocou, esse cara. Na verdade, foi esse o fim do relacionamento.”

Ele esperava mais dela, talvez da casa dela? Mas o que ele queria? E o que eu também esperava? Tinha uma ideia dela, mas que, na verdade, não era realmente ela. “É um osso duro de roer”, diz ela com suas palavras se dissolvendo no ar quente da noite. “No caso dele”, diz ela, referindo-se novamente ao ex, “havia algo nele, como uma pequena bolha de ego. Sabe, eu já não tenho mais esse ego. Foi destruído… como eu posso explicar? Virou pedacinhos. Tenho certeza de que está em algum lugar do meu dedo do pé. É isso. Eu adoraria cultivar um. Estou aprendendo como. Estou aprendendo”, diz ela. “Eu sei o que eu quero.”

Eu também não passei no teste da sua casa, enquanto continuo a me perguntar se toda sua a modéstia constitui mais um tijolo na parede de sua personalidade. Por que eu continuo procurando algum tipo de prova ou motivo oculto? Por que tenho dificuldade em acreditar na palavra dela? Será que eu me sinto no direito de jornalista de exigir que ela apresente alguma versão de autenticidade que eu considere verdadeira?

Não sou a primeira, nem a última a enxergá-la com suspeita. Mas e as pessoas na fila no Arkansas? E a garçonete da taverna? Del Rey recebeu deles apenas aceitação e apreço. Eles acreditariam em sua palavra? Eles adorariam esta casa e tudo o que há nela? Eles iriam querer relaxar com ela aqui? Sim, ela sente que sim. “Isso mesmo”, ela afirma quando sugiro essa conexão. “E isso resume tudo, ponto final.”

PHOTOGRAPH BY COLLIER SCHORR

A simplicidade da casa talvez esteja de acordo com a simplicidade dos desejos atuais de Lana, que são poucos. Ela não tem certeza se deseja alguma coisa, e isso também, como ela mesma disse recentemente a um amigo, é desafiador. “Não acho que seja porque fiz tudo que queria. É que simplesmente não desejo nada, realmente. Pensei muito nisso, uns dois dias atrás. Até me incomodou. Eu simplesmente não conseguia pensar em nada que desejasse. E não foi, tipo, ‘Estou proibida de desejar qualquer coisa!’ Não foi assim. Era mais como se eu não conseguisse pensar em nada. E [meu amigo] disse: ‘Bem, e se você pensasse no seu desejo mais selvagem?’ E tipo, eu simplesmente não conseguia nem pensar em algo para por no diário. Então, eu não sei. Mas eu já desejei muitas coisas no passado.”

Pergunto a ela o que é que ela mais queria no passado, e ela hesita: “Eu não sei se eu te contaria”. E o amor? Eu pergunto se ela está apaixonada agora. “No momento, eu definitivamente não. Não”, ela diz com firmeza, sorrindo. “Absolutamente não. Estive, mas agora não”. Mas será que é algo que ela quer? Eu pergunto. Ela dá de ombros. “Bem, me apaixonar ainda não passou pela minha cabeça nos últimos cinco meses em turnê ou aqui. Mas me dê uma semana. Minha história, com certeza, vai ter sua hora em algum momento. Sim. Mas seria interessante se não tivesse também.”

Você consegue imaginar a vida sem um par romântico? Eu pergunto a ela. “Não sei”, ela responde, depois reflete sobre a questão por um momento. “Acho que teria que decidir sobre onde quero estar geograficamente em meu plexo solar, antes de poder me sintonizar romanticamente. Porque se você não sente uma conexão com o chão em que caminha, o amor se afasta”, diz ela, acenando em direção a um mundo, para além de seu quintal.

Independentemente de onde ela mora e do que os outros pensam disso, o mais forte senso de lugar e pertencimento de Lana se encontra nela mesma. “Tenho uma casa grande e antiga lá dentro”, diz ela. “Isso é tudo. Está quente aqui. Há uma lareira enorme aqui. Se eu pudesse olhar dentro do meu coração, diria que é muito grande. E que está muito aquecido. Embora possa ficar gelado”, ela me avisa. “Não tenho medo de briga. Vou de 0 a 100 bem rápido, mas é isso que você se permite fazer na sua própria companhia em casa. Você pode brigar de uma hora pra outra, amar de uma hora pra outra e todas essas coisas.”

PHOTOGRAPH BY COLLIER SCHORR

“É incômodo estar em sua própria companhia”, ela diz gentilmente. “É muito.” Olho novamente para as cadeiras do quintal que Lana adora. Lá estão elas, ao ar livre, meio sombreadas, meio expostas à luz. Sombra não é esconderijo. É simplesmente um lugar que não podemos ver tão facilmente.

Sentamos do lado de fora, ao entardecer, conversando sem parar até a noite cair completamente ao nosso redor. Não há luzes no quintal. Volta e meia, Lana se mexe para ligar as lâmpadas com detectores de movimento, balançando os braços, e um feixe de luz forte pisca, brilhando diretamente em meus olhos e desliga segundos depois, deixando-nos novamente na escuridão total.

Isso não incomoda a Lana. Ela não se importa com as sombras, muito menos se esconde nelas. Eu que não enxergava.

COOPER JONES, Chloe. Lana Del Rey Leads With Her Heart. Harper’s BAZAAR, 2023, Tradução por André Rocha. Disponível em: <www.harpersbazaar.com/culture/art-books-music/a45862475/lana-del-rey-interview-2023>. Acesso em: 26 de Junho de 2024.

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