Lana Del Rey Sem Filtro
Com música nova a caminho, a cantora e compositora senta-se com Alessandro Michele, da Gucci, para falar sobre o seu processo criativo único.
Sands Point é a ponta de uma península na costa norte de Long Island e foi a inspiração para East Egg, o cenário fictício da Costa Dourada de ‘O Grande Gatsby’ de F. Scott Fitzgerald. Outrora um retiro rural para barões ladrões, é agora uma reserva natural que confina um subúrbio de Nova Iorque. Mas algumas mansões da Era Dourada ainda permanecem ao longo da costa, entre elas o Castelo Gould, uma imponente pilha de pedra inspirada numa mansão irlandesa. Hoje em dia, na praia, em vez de uma misteriosa luz verde, vêem-se os edifícios altos da baixada de New Rochelle. No local onde uma vez se realizavam festas luxuosas, existe agora um parque para cães com cerca de arame.
Um castelo nos subúrbios é um lugar bem Lana Del Rey. Ao longo de sua carreira, a musicista de 36 anos, nascida Elizabeth Grant, mirou uma lente nebulosa, mas inabalável, para o conceito de Americana, descascando o verniz ensolarado do sonho americano para revelar o que realmente está lá. Nas capas de seus álbuns, ela é uma jovem flor na frente de uma caminhonete surrada ou uma passageira em um iate à vela, buscando apoio com unhas de neon enquanto a orla queima atrás dela. Até mesmo os títulos de seus discos — Chemtrails Over the Country Club; Norman Fucking Rockwell! — sugerem elementos mundanos ou mesmo sinistros por trás de um ideal glamoroso.
Fica claro que o mundo que Del Rey constrói em sua música é aquele em que ela habita. Desde o minuto em que ela sai de um trailer parecendo uma Jackie Kennedy moderna em um vestido preto da Gucci, segurando uma xícara de café Dunkin’ Donuts, ela inspira seu entorno com um certo encanto. E ela parece literalmente irradiar calor: em uma tarde fria e nublada fora de época, enquanto as equipes de produção, cabelo e maquiagem tremem em jaquetas de lã, ela entra em Long Island Sound em um vestido Valentino transparente e emerge do mar acinzentado rindo.
Enquanto ela se prepara para lançar novas músicas — um álbum ainda sem título está em andamento — convidamos a musicista para uma conversa com Alessandro Michele, o diretor criativo da Gucci, que, como Del Rey, tem uma relação alquímica com a nostalgia. Amigos e colaboradores há anos, ambos têm um talento para distorcer e manipular referências históricas, usando-as como material para um trabalho que se torna totalmente novo. Aqui, eles discutem o processo criativo, encontrando inspiração na natureza e trabalhando com o coração. — Andrea Whittle
Alessandro Michele: Nós nos conhecemos quando fizemos o Met Gala juntos pela primeira vez em 2018, eu acho? Não sou nada bom com datas.
Lana Del Rey: É por isso que somos criativos. Lembro de falarmos ao telefone anos atrás. Não pude acreditar quando você me disse que estava ouvindo meu disco enquanto trabalhava em uma nova coleção.
Acho que você vai ficar para sempre na mente de todos com aquela roupa do Met Gala — você parecia uma deusa, uma santa. Quando você é uma pessoa criativa, é lindo estar em contato com pessoas como você, que são tão delicadas e sensíveis. Ainda estou ouvindo sua música e sonhando com suas palavras.
Acho que a delicadeza vem de estar em um mundo onde as pessoas podem acabar sendo muito rudes. Quando alguém é ágil e inteligente, é raro que seja — também — gentil. Trabalhando com você, eu finalmente pude respirar e deixar a moda ser divertida novamente, e experimentar diferentes vestes de seda e me lembrar por que eu amava isso, no início. Porque quando eu era mais jovem, eu sempre pensei que entrar na moda seria como vestir um vestido de seda. Com você, foi literalmente assim. Quando trabalhamos no meu vestido para o Grammy, foi uma entrada ousada em um mundo muito maior, e eu pensei: “Posso mesmo fazer isso? Tenho permissão para me apresentar dessa forma?” E o que aprendi com você é que, às vezes, a beleza não provoca críticas; convida mais a uma compreensão, onde seu interior brilha através do seu exterior.
Você se lembra do ensaio que fizemos para a campanha da Gucci Guilty, quando Los Angeles estava pegando fogo?
Tinha cinzas entrando na ventilação do meu carro na Rodovia 405 porque Bel Air estava queimando. Estávamos no Valley filmando uma cena, e todos estavam com máscaras de gás, e o céu estava laranja, o que de alguma forma parecia perfeito.
Foi tão surreal, como Los Angeles é surreal.
A partir daí, passei a adicionar fogo às encostas dos meus videoclipes.
Gosto da maneira como você usa elementos da natureza — não apenas fogo, mas água e o clima — em sua música e seus vídeos.
Meu pai é um pescador de tubarões — há 15 anos — e viveu em um barco em Providence, Rhode Island, dos 15 aos 18 anos. Ele também foi um caçador de tempestades. Na Califórnia, terra, vento e fogo são enormes. Todos os elementos são levados em consideração na minha arte, o tempo todo. O que é engraçado, porque sempre me perguntam por que eu canto sobre a Califórnia. Mas costumo cantar sobre o lugar onde estou, e acontece que a Califórnia é um baita centro de tempestades agora. Assim, sou de Lake Placid, lugar mais frio do país. Para mim, a paisagem da Califórnia nunca envelhece.
Em 2020, você lançou um livro de poesia, Violet Bent Backwards Over the Grass. Quando você escreve poemas, seu processo criativo é diferente de quando você escreve uma música?
Há uma grande diferença. Primeiro, para escrever poesia, tenho que estar de muito bom humor e não ter nada de distrativo ou errado acontecendo. Quase tenho que estar em um estado de não pensamento, e isso não pode ser forçado. Quando algumas linhas vêm à minha cabeça, é como se fossem ‘canalizadas’ — odeio quando as pessoas usam essa palavra, mas a uso. Se estou dirigindo, tenho que parar e pensar: “Bem, de onde está vindo isso?” Lembro-me de uma vez em que estava sentada esperando minha comida e comecei a pensar:
“Violeta curvada para trás sobre a grama
Sete anos de idade com dentes-de-leão
Firmemente agarrados em sua mão
Arqueada como uma ponte se segurando pelas mãos
Sorrindo selvagemente como um louco
Com a exuberância que só não fazer nada pode trazer“
E eu pensei: “Sou uma violeta?” Violeta é um sobrenome. Seria um pouco de linhagem cármica dando as caras? Eu acho que escrever minha poesia foi o começo de uma abertura mais psíquica e energética para minha família de origem. Também é um pouco mais estressante, porque a última coisa que você quer acabar fazendo é soar como o Dr. Seuss. E ninguém pode te ajudar com isso. A única pessoa que, às vezes, me faz escrever é a minha amiga Annie, tão engraçada que me faz esquecer de mim mesma. E é por meio disso que meu canal se abre novamente. De repente, os primeiros versos vêm, e eu me lembro: “Ah, sim, você trabalha bem quando está se divertindo”. Não se pode forçar. É um lembrete para permanecer serena e equilibrada, que é minha prioridade: essa preservação psicológica e espiritual.
Há algum poeta que tenha sido importante para você?
Quando descobri que Allen Ginsberg escreveu ‘Howl’ em poucos dias, e depois vi Lawrence Ferlinghetti recitando ‘Loud Prayer’, percebi que não precisava ir devagar para que algo fosse bom. Eu poderia trabalhar rápido se quisesse. Também me identifico com alguns dos sentimentos do trabalho de Walt Whitman e de Sylvia Plath — ela escreveu com honestidade brutal sobre a experiência de ser mulher e sobre o histórico da histeria.
No passado, você usou cores e certas palavras para descrever seus discos. Há palavras ou cores que você está usando para descrever sua nova música?
Tenho praticado canto automático meditativo, onde não filtro nada. Eu canto o que vier à mente no meu aplicativo de notas de voz. Não é perfeito, obviamente. Há pausas e tropeços. Mas tenho enviado esses arquivos com sons realmente crus para um compositor, Drew Erickson, e ele adiciona uma orquestra abaixo das palavras, combinando cada sílaba com a música e adicionando reverberação à minha voz. Quando estou cantando automaticamente, não tenho tempo e lazer para pensar sobre as coisas em termos de cores. É muito cerebral. Em Honeymoon, havia tantas referências de cores: “Às vezes, acordo de manhã com céus vermelhos, azuis e amarelos. É tão louco que eu poderia bebê-los como se fossem tequila ao nascer do sol.” Para essa nova música, não há nada disso. É mais como: ‘“tô com raiva”. As músicas são muito coloquiais. Para a primeira música, apertei o botão de gravar e cantei: “Quando olho para trás, traçando as pontas dos dedos sobre sacolas plásticas, acho que gostaria de poder extrapolar alguma pequena intenção ou talvez chamar sua atenção por um minuto ou dois.” É um álbum muito prolixo. Então não há espaço para cores. É quase como se eu estivesse digitando na minha mente.
Lembro-me durante as filmagens de Gucci Guilty quando você começou a cantar. Sua voz é tão evocativa. Eu diria que quando ouço sua música, não sei por que, mas imagino a cor branca. É como se não houvesse exatamente cor para mim; é apenas luz.
Já me disseram que sou uma pensadora muito preto e branco, e estou realmente trabalhando nisso, porque acho que isso nasce do modo de sobrevivência. Com Drew, quando envio minhas músicas para ele, posso ver que meu processo de pensamento é muito alegre ou muito “Olha, é assim que é”.
Você se lembra dos seus sonhos? Você os usa em seu trabalho?
Só recentemente comecei a ter sonhos que não são estressantes. Minha vida de sonho é essa outra vida intensa. Acho que é por isso que estou tão cansada durante boa parte do dia, porque meus sonhos são tão intrincados. Eles são pistas de obstáculos, e eu nunca os uso no meu trabalho. No meu trabalho, porém, eu posso até estar tentando me acalmar, apenas falando sobre tudo isso. Seus sonhos ditam suas criações?
Na verdade não, mas acho que usar a criatividade de uma forma bem sonhadora é algo que temos em comum. Sonho muito todas as noites. Às vezes tento escrever o que sonho em um livro, e adoro quando me sinto selvagem e livre, porque a parte inconsciente de nós é linda. Acho que quando você usa a criatividade, você está em contato com suas partes inconscientes.
Sou uma grande estudiosa de Carl Jung, que diz que a única oportunidade que o inconsciente tem de falar com você é através dos seus sonhos, ou através da escrita automática, que é semelhante ao que eu faço quando estou cantando no meu telefone de manhã. Ele até sugere que você escreva com a mão esquerda se for destro, para que possa ver o que surge primeiro. Como você tem que escrever tão devagar, você pode acabar escrevendo, “Socorro!” Enquanto com a mão direita você pode dizer, “Hoje correu tudo bem. Eu tirei o lixo, lavei roupa, fiz ligações telefônicas”, e então de repente você diz, “E eu realmente sinto falta dele. Eu realmente sinto falta dele.” E então você pensa: “É, eu acabei de chegar ao cerne da questão”.
No começo da sua carreira, você escrevia letras no metrô tarde da noite. Onde você as escreve agora?
Bem, eu provavelmente tenho o menor desejo de sono de qualquer pessoa que já conheci. Não tenho vontade nenhuma de dormir. Quando eu morava no Bronx, ficávamos a cerca de meia milha de uma parada de trem. Ele estava sempre funcionando, e você podia pegá-lo para Coney Island e voltar. Eu venho de uma cidade de 700 pessoas, e eu não conseguia acreditar que eu tinha a oportunidade, quando não estava cansada, de fazer uma longa caminhada, tomar um café descafeinado e comer uma banana, o que eu pudesse pagar com um orçamento de faculdade, e por fim, pegar aquele trem. Agora, há muito menos palavras que vêm a mim quando estou sozinha. Parece que preciso estar sentada com alguém. É um pouco frustrante, porque por tantos anos eu fui rica em ideias. Agora eu preciso de alguém para me forçar a ir ao estúdio. As ideias nem vêm mais a mim no carro, meu lugar favorito.
Uma coisa que compartilhamos é o amor pela Velha Hollywood. O que há nessa era que inspira você?
Tudo. Quando eu era mais jovem, meus avós me deixavam assistir seus filmes antigos, e eu me identificava com as nuances sutis das personagens femininas. Não era preciso dizer muita coisa; muita coisa era inferida nas entrelinhas. Quando as coisas ficaram maiores para mim e minha carreira, sempre presumi que, só por falar e ser eu mesma, as pessoas saberiam quem eu era automaticamente. Aprendi que isso não é verdade. Você tinha que realmente soletrar as coisas, e isso era muito difícil para mim.
O que te faz ficar feliz?
Quando confio no meu instinto e sigo em frente. Fico mais feliz quando vejo meu irmão e minha irmã prosperando. Um dos meus objetivos é garantir que meus irmãos e eu estejamos sempre seguros. Sou mais feliz perto das minhas três amigas, Candy, Jen e Annie, porque elas me fazem sentir compreendida. Sou mais feliz quando estou deitada no parque, olho para cima e penso comigo mesma: “Não é lindo que apenas deitar na grama e sentir que o apoio da terra abaixo de mim é o suficiente para hoje?” Passei tanto tempo tentando me perguntar: “Por que eu?” e “Por que isso?” É tão bom superar isso. Também adoro dançar. Joan Baez tem uma festa dançante todo sábado à noite no Zoom, para a qual sou muito grata por ter sido convidada — há algo lindo em dançar com pessoas muito pé no chão.
Qual música te faz chorar?
“Swan Song.” Está no meu álbum Honeymoon. É o contrário da esperança. É sobre tentar encontrar beleza em desistir. Se dependesse de mim, eu continuaria a persistir em todas as áreas da minha vida, mas pode ser bem desafiador porque posso acabar confiando demais, cedo demais. A queimadura que pode vir disso pode realmente incinerar toda a sua vida pensante e seus processos diários. No final de cada álbum, eu digo adeus e obrigado — bem no estilo Old Hollywood — e ainda assim não consigo deixar de continuar a escrever.
WHITTLE, Andrea. Lana Del Rey Unfiltered. W Magazine, 2022, tradução por André Rocha. Disponível em: <https://wwmagazine.com/life/lana-del-rey-new-album-music-interview-2022>. Acesso em: 7 de Agosto de 2024.